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4 poemas de Vitória Carvalho

por Vitória Carvalho
Foto de Luísa Machado para ilustrar os poemas de Vitória Carvalho.

Vitória Carvalho é natural de Goiânia (GO). licenciou-se em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e lá é mestranda em Estudos Literários. Tem interesse pelo silêncio e por palavras como omoplata.


às duas o sol bate do lado esquerdo
do ombro uma garganta se arranha
em cima do meu sexo – arquejos
o Centro cheira a empanado
cerveja
e à filha que não veio

foi num solstício de verão que inês
fundou uma nova forma de partir:
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ pelo começo
assim foi o dia mais longo da banda sul
do mundo
você me engole num
beijoㅤㅤㅤ

agora que aposentaram
as máscaras sobre as avenidas
você me pega às cinco um azulejo
azul e branco são seus olhos
ㅤㅤㅤㅤ eletrônicos

te espero sempre às cinco
a noite talhando o dia te espero
como uma penélope
desmancha nos dedos
a ossatura umbilical
da morte


desovar dois ou três versos num soluço
recolher seus espinhos como se ainda
falasse sua língua
prensar nos dedos uma última vez
a mulher que fabrica o dia
como se fabricam as horas
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤdo dia
abandonar seus fantasmas
mas alimentá-los
como se alimenta uma gata puérpera
recolhendo traças nos muros
silenciosamente
qualquer poema pode despencar de um
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤㅤ útero
qualquer útero pode ferir um poema
retomar àquela mulher de nome turco
(sâmia
significa “sublime” “seu nome é deus”
ou apenas “aquela que ouve”)
um monte venusiano à sua espera
uma língua à espera de uma terra
onde nascer
afiar os caninos da boceta
como se engarrafa deusas num nome


ai que enjoo me dá o açúcar do desejo.
Ana C.

não veio o quarto augusto
pedi que viesse no entanto
não veio
uma espécie de culpa
apenas me safando
ordeno pratos e garfos
faço sala para a noite
e sua ladradura
escuta esta que te escarra
do ventre
a faca é um convite
por que você não
insiste, me escorre das mãos?
também eu me ocupo &
esqueço
indefensável esqueço
minha dor no alto da sua

a salmoura do desejo


Beba das minhas coxas Engula
minha fúria minhas cicatrizes
de seda essa é a última vez
meu amor meu punhal de amor
as coisas vão melhorar Mas
não diga nada
Absolutamente nada
você não soube me segurar
querida minha arsenal
da minha seiva a filha dileta
de todas as outras Não venha
a mim olhos de fera Eu quero
dessa vida que você rejeita Beba
das minhas mulheres Esqueça
as minhas mulheres Eu não posso
te deixar Eu não abro a mão
as minhas guelras
de onde tudo s’esti
                       ㅤㅤ         -lhaça
assuma o destino que te encerra
na espinha
na Minha espinha
a mesma que te pôs no mundo
Eu sou a casa
e seu lugar de espera
até que esse
seja o primeiro tapa


Foto de Luísa Machado.

Comment (1)

  • Na rolagem monotona de um tal de Tinder, acabei vendo essa pessoa lá, foi do Tinder para o instagram e do instagram para cá. Um achado, adoro poemas!
    Adorei, na minha leitura, notei que os quatro poemas tecem um mosaico de emoções e imagens, como se cada verso fosse um fragmento de um espelho que reflete a complexidade da existência humana. No primeiro poema, tive a sensação de espera e ausência se mistura ao calor do sol e ao cheiro de cerveja, criando uma atmosfera de desejo e nostalgia. O segundo poema me evocou a ideia de criar e abandonar, de alimentar fantasmas e traçar um caminho entre a vida e a poesia. Já no terceiro poema, a dor e a culpa se entrelaçam, enquanto a quarta composição parece falar da intensidade do amor e da inevitabilidade do destino. Cada poema é como um universo próprio, mas juntos, formam um quadro multifacetado da experiência humana, repleto de emoções cruas e profundas. Parabéns!

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